domingo, 19 de outubro de 2014

Diferenças de gênero na organização social da vida pública e da vida privada

CURSO GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA
1

A divisão do "espaço público e privado" pode ser percebida, por exemplo, quando se quer
insultar uma mulher. Ela é chamada de “mulher da rua”, “vadia”, “puta”, em oposição à
“mulher da casa”, “mulher ou moça de família”, “santa”, “do lar”. A oposição “rua x casa”
é particularmente interessante para percebermos como os gêneros masculino e feminino
estão associados a cada uma dessas instâncias, conformando a divisão entre o mundo da
produção (masculino) e o da reprodução (feminino).
Tal como o conceito sociológico de classe social, que distingue diferentes inserções sociais
conforme as condições materiais de existência de cada um, o conceito de gênero também
nos ajuda a compreender o modo de organização da vida
social, tanto no espaço público quanto na esfera privada.
Historicamente, o espaço público era restrito aos homens como
cidadãos, tendo sido as mulheres dele excluídas durante muitos
séculos, confinadas ao mundo doméstico. Em várias sociedades, há uma divisão do trabalho
entre homens e mulheres. Chamamos isso, como já vimos, de divisão sexual do trabalho.
Essa tradicional divisão do trabalho entre os sexos tem sido, contudo, duramente criticada
e transformada. Podemos perceber este fato através da análise das mudanças ocorridas
em três setores, antes eminentemente masculinos, como
o mercado de trabalho, a escolarização e a participação
política. A crescente participação feminina nas atividades
econômicas, políticas, legislativas tem sido fruto de
considerável esforço de luta do movimento feminista.
Mercado do Trabalho
Décadas passadas, o mercado de trabalho era um espaço de hegemonia masculina. Até
Este texto pretende enriquecer os argumentos para debater os estereótipos e os
preconceitos de gênero. Refere-se a como a questão de gênero interfere na organização
social do espaço público e privado e configura o mundo que nos cerca. Você já parou
para pensar nos valores que estão associados a cada uma das designações que são
atribuídas aos homens e as mulheres?
MÓDULO 2 - GÊNERO | unidade 1 | TEXTO 5
Diferenças de gênero na organização
social da vida pública e da vida privada

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a metade do século XX, as mulheres não tinham o horizonte da carreira profissional ou a
participação na vida pública como metas preponderantes, não tendo participação significativa
na população economicamente ativa.
Conforme dados recém-divulgados pelo IBGE, em 2004, a distribuição percentual da PEA
(populaçäo economicamente ativa) por sexo era de 56,9% para os homens e 43,1% para
as mulheres1. Hoje, a presença das mulheres no mercado de trabalho é expressiva, embora
sofram muitas discriminações se comparadas aos homens. Um contingente expressivo de
mulheres sustenta a casa, os filhos e, às vezes, também os maridos, expulsos do mercado
formal de trabalho. Mudanças recentes na legislação civil permitem que as mulheres sejam
reconhecidas como “chefes de família”, designação antes reservada somente aos homens.
Há pouco tempo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a considerar
o quesito “pessoa de referência” em seus censos e, atualmente, o percentual de famílias
chefiadas por mulheres atinge quase 30%.
Outra alteração importante nessa direção foi a possibilidade de as mulheres trabalhadoras
rurais terem o direito de acesso ao título de proprietárias de terra, motivado pelo fato de
que seus companheiros costumavam migrar para grandes centros urbanos à procura de
trabalho e não voltavam para os estados de origem, deixando-as sós, cultivando a terra e
assumindo a responsabilidade do sustento da família. No entanto, elas não tinham a chance
de serem reconhecidas como donas daquela propriedade, nem mesmo de transferirem a
posse da terra para os filhos ou filhas.
Escolarização
A escolarização é outro processo importante no qual se evidenciam as desigualdades de
gênero que ordenam a vida social e suas possibilidades de transformação. Há algumas
décadas, a prioridade para a dedicação aos estudos era um privilégio dos filhos homens,
não estendido às filhas mulheres. Somente no final de 1870 o governo brasileiro abriu as
instituições de ensino superior à entrada das mulheres. Em 1887 formou-se a primeira
médica no Brasil, Rita Lobato Velho Lopes e, em 1889, foi permitido pela primeira vez
que uma advogada brasileira fosse admitida nos tribunais. Em 2006, a ministra Ellen
Gracie destacou-se como a primeira mulher a ser incorporada ao Supremo Tribunal Federal,
ocupando a presidência desta instituição pelo período de dois anos.
O ingresso das mulheres na escola tem crescido significativamente, hoje ultrapassando o
contingente masculino. Tal interesse está certamente articulado à sua entrada maciça no
mercado de trabalho e às chances de melhoria de sua qualificação profissional e dos salários
percebidos. No entanto, os investimentos das mulheres na educação e na qualificação
profissional ainda não se reverteram em igualdade salarial. Em alguns setores apenas se
1 Fonte: Síntese dos Indicadores Sociais, 2005 (www.ibge.gov.br).
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reduziu o nível de desigualdade. Quando consideramos as mulheres negras, os dados são
ainda mais impressionantes. Quanto maior a escolarização, maior a diferença salarial entre
estas e os homens, mas também entre as próprias mulheres, estando as mulheres brancas
em posição de maior vantagem. Esta situação demonstra como a segregação social combina
elementos étnico-raciais e de gênero.
Hoje, no Brasil, há mais mulheres que homens cursando
a educação superior: o Censo da Educação Superior de
2004 mostra que as mulheres respondem por 56,4% do
total de matrículas, enquanto os homens são 43,6%. Nas
instituições públicas, elas são 54,7% e, no setor privado,
57%. Segundo o IBGE, o percentual de mulheres na população brasileira é de 50,8%
(Censo IBGE 2000)2.
Participação Política
Quanto à participação político-social no Brasil, as mulheres
só tiveram acesso ao voto em 1932, por incansável militância
do movimento sufragista feminino, nas primeiras décadas
do século XX, liderado pela bióloga paulista Bertha Lutz.
As primeiras mulheres foram eleitas para o parlamento
em 1933. De lá pra cá, a necessidade de igualdade de
oportunidades sociais para participar ativamente da vida
pública impõe-se como um direito inalienável das mulheres.
Discute-se hoje, no interior dos partidos políticos e na
sociedade mais ampla, a proposta de cotas para mulheres
no intuito de garantir certa representatividade política
feminina no Poder Legislativo e no Executivo. A esse
respeito, consulte a Lei de
Cotas 9504/1997 (http://
planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/L9504.htm), que ainda encontra muitas resistências,
instituindo 30% de cotas para candidatas mulheres.
Queremos demonstrar com todos estes dados o quanto e
como uma persistente hierarquia de gênero organiza as
relações sociais no espaço público, destinando lugares,
postos, posições de prestígio, funções específicas, direitos
e deveres a cada sexo, em todos os contextos mencionados
– vida política, acesso à escola e ao mercado de trabalho,
com a respectiva permanência neles, propriedade, chefia
2 Fonte: Informativo do INEP Janeiro 2005.


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civil do lar etc. Não podemos considerar, de forma ingênua, que a participação de homens
e mulheres na vida pública seja aleatória, fruto de desejos pessoais, particulares, muito
menos de aptidões ou habilidades naturais a cada sexo. Somos socialmente educados
e educadas para gostar mais ou menos de política, de economia, de leis, quer sejamos
homens ou mulheres. A via de acesso à cidadania passa por lutas e conquistas normativas
e jurídicas.
Por sua vez, a reprodução – que ocorre no corpo da mulher – exerce considerável influência
na divisão sexual do trabalho e na estruturação dos lugares sociais ocupados por homens
e mulheres. Estas são responsáveis por gestar, parir e criar os filhos e pelos serviços de
manutenção doméstica, enquanto os homens se voltam tradicionalmente para o provimento
da casa, ou seja, para a mediação entre o mundo privado e o público.
Esse modo de organização da família implica uma rígida hierarquia moral que estabelece
posições sociais, deveres e obrigações próprias a cada um, conforme a inserção de gênero
e de geração. Nesse sentido, os homens mais velhos são
aqueles que devem ser mais respeitados pelos demais: eles
podem ser os maridos ou os pais e, na ausência deles, os
filhos ou os irmãos mais velhos. Raramente é facultado às
mulheres o exercício de sua autonomia como ser humano
igual aos homens, como cidadã com os mesmos direitos
sociais que seus companheiros ou irmãos.
Devemos destacar o aparecimento da pílula anticoncepcional
na segunda metade do século XX, que permitiu às mulheres
controlar sua reprodução e fazer da maternidade algo não
necessariamente compulsório. Tal possibilidade viabilizou
dissociar a atividade sexual da reprodução, com muitas
transformações sociais daí decorrentes. O fato de as
mulheres poderem ter uma vida sexual e escolher ser ou não
mãe, planejar a ocasião da maternidade, espaçá-la, decidir o
número desejável de filhos/as teve um substantivo impacto
em suas vidas. Assim, mulheres puderam organizar melhor
o fluxo da vida cotidiana familiar e ter novas aspirações não
restritas à vida doméstica e ao cuidado com a prole.
Infelizmente, esses direitos não estão acessíveis a todas
as mulheres, havendo muitas que não conseguem exercêlos.
As razões apontadas podem ser restrições financeiras,
de acesso aos serviços de saúde, de subjugação ao
companheiro, marido ou namorado, em razão da dominação
masculina, entre outros motivos. A dominação masculina
é o exercício do poder exercido pelos homens sobre

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as mulheres. É um conceito estudado pelo sociólogo e
antropólogo francês Pierre Bourdieu.
Um exemplo das mudanças havidas nas relações de gênero
no âmbito da vida privada pode ser dado na escolha do
parceiro para o casamento. Tal como a concepção, a
opção pelo parceiro deixou de ser um acordo entre pais
interessados na união de suas famílias e permitiu que os
jovens e as jovens passassem a fazer suas escolhas. No
entanto, sabe-se que tal escolha é também socialmente
determinada, havendo forte chance de se eleger um parceiro
ou uma parceira heterossexual, dentre os “iguais”, ou seja,
de inserção social, étnico-racial e estilo de vida semelhantes.
Trataremos ainda neste Curso das relações homoafetivas
como direito de vivência da sexualidade.
Até aqui pudemos perceber que o modo com que cada
cultura constrói o gênero irá definir um determinado
padrão de organização das representações e das práticas
sociais no mundo público (rua) e na vida privada (casa),
estabelecendo lugares distintos para homens e mulheres e
uma dinâmica peculiar entre ambos. Embora as mulheres
tenham conquistado expressivo espaço no mundo público,
a participação dos homens nas decisões e nas obrigações
referentes à vida doméstica não se faz na mesma proporção,
deixando às mulheres a difícil tarefa de conciliar ambas as
dimensões.
O processo de socialização na infância e na adolescência é fundamental para a construção
da identidade de gênero. E a escola tem grande responsabilidade no processo de formação
de futuros cidadãos e cidadãs, ao desnaturalizar e desconstruir as diferenças de gênero,
questionando as desigualdades daí decorrentes.

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Dica de leitura: “Mulheres já superam
homens na escola”. Folha de São
Paulo, 08/01/2006.
Bertha Lutz (1894-1976) lutou pelos
direitos femininos durante toda sua
vida. Não só conseguiu formação
e postos de trabalho mais restritos
aos homens, como também ergueu
a bandeira de maior igualdade entre
os sexos e maior penetração das
mulheres na educação, no mercado
de trabalho e na vida política. Teve
grandes atuações dentro e fora do
país. Defendeu o direito de voto,
garantiu ingresso de meninas em
colégios, propôs igualdade salarial,
licença de três meses à gestante,
redução da jornada de trabalho,
entre outros feitos. 

A pílula anticoncepcional, que
ofereceu às mulheres sexo separado
da gravidez, chegou ao Brasil em
1962. Nos anos de 1967 e 1968,
quando o Ibope realizou amplas
pesquisas sobre o comportamento
da mulher em São Paulo e no Rio
de Janeiro, estimava-se que as
farmácias já vendiam mais de 5
milhões de pílulas por mês. Embora
o contraceptivo oral trouxesse alívio
às mulheres casadas e viesse a
contribuir decisivamente para uma
maior liberdade sexual feminina
na década seguinte, havia uma
rejeição expressiva em torno dos
30%. A condenação do uso da pílula
pelo Papa alimentava a polêmica. A
mulher da época ainda idealizava
um casamento aos 21 anos de idade,
com noivo obrigatoriamente mais
velho, programando três filhos que
serviriam para consolidar a união.
Contudo, 63% das mulheres viam a
melhor fase da vida na adolescência
e 33% gostariam de ter nascido
homens.
Fonte: Jornal da Unicamp, Edição
210, 22 de abril a 4 de maio de
2003.

P ier re Bourdieu (1930-2002) ,
considerado um dos intelectuais
mais influentes de sua época, deu
novos rumos ao estudo da sociologia.
No livro A dominação masculina
(Ed. Bertrand Brasil, 1999), levanta
explicitamente a questão da ordem
sexual, lembrando a necessidade
de uma ação coletiva de resistência
feminina com o objetivo de impor
reformas jurídicas e políticas capazes
de alterar o estado atual da relação
de forças – material ou simbólica –
entre os sexos. Em especial, chama
a atenção para aquilo que designa
de “violência simbólica”, a violência
invisível às suas próprias vítimas,
que se exerce por vias puramente
simbólicas da comunicação e
do conhecimento. Este trabalho
mereceu, entretanto, severas críticas
da parte de pesquisadoras feministas
francesas, por ele ter ignorado que,
antes de seu livro, já havia uma
sólida reflexão de autoras mulheres
sobre o assunto a quem ele não dá
voz nem reconhecimento, o que
caracteriza atitude de dominação
masculina.

Glossário
Cultura: Fenômeno unicamente humano, a cultura refere-se à capacidade que os seres humanos têm de dar
significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. A cultura é compartilhada pelos indivíduos de um determinado
grupo, não se relacionando a um fenômeno individual. Por outro lado, cada grupo de seres humanos, em diferentes
épocas e lugares, atribui significados diferentes a coisas e a passagens da vida aparentemente semelhantes.
Gênero: Conceito formulado nos anos 1970 com profunda influência do pensamento feminista. Ele foi criado para
distinguir a dimensão biológica da dimensão social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie
humana, no entanto, a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Assim, gênero significa
que homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos.
Hierarquia de gênero: Pirâmide social econômica construída pelas relações assimétricas de gênero.
Movimento Sufragista: O movimento pelo sufrágio feminino é um movimento social, político e econômico, de

caráter reformista, que tem como objetivo estender o sufrágio (o direito de votar) às mulheres.

Construção social da identidade adolescente/ juvenil e suas marcas de gênero

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1

Se o gênero é socialmente construído por nós no cotidiano da família, da escola, da rua,
na mídia, então parte-se do pressuposto de que essas convenções sociais podem ser
transformadas, ou seja, discutidas, criticadas, questionadas, modificadas em busca da
eqüidade social entre homens e mulheres, do ponto de vista do acesso a direitos sociais,
políticos e civis. Educadores e educadoras têm a possibilidade de reforçar preconceitos e
estereótipos de gênero, caso tenham uma atuação pouco reflexiva sobre as classificações
morais existentes entre atributos masculinos e femininos e se não estiverem atentos
aos estereótipos e aos preconceitos de gênero presentes no ambiente escolar. Qual a
responsabilidade da escola e dos educadores e educadoras na
garantia do direito de cada pessoa de ter uma justa imagem
de si e de ser tratado com dignidade? Como educar meninos
e meninas para a igualdade de direitos e oportunidades?
As noções aprendidas na infância do que é considerado
pertinente ao feminino e ao masculino acirram-se e
consolidam-se na adolescência. A sociabilidade infantil
permite ainda certa convivência de meninos e meninas
em diferentes atividades coletivas. Já na adolescência, o fato de haver o aprendizado da
aproximação ao sexo oposto, mediado por diferentes formas de relacionamento afetivosexual
(olhar, paquera, ficar, namoro), torna os domínios masculinos e femininos mais
nítidos, com limites bem definidos entre si.
No que diz respeito à questão de gênero, há todo um
conjunto de atitudes, posturas e modos de agir social e
diferencialmente recomendados aos rapazes e às moças que
ensaiam a entrada na sexualidade. Mesmo que a virgindade
não signifique mais o que foi em outras épocas, e que haja
uma relativa aceitação social em ter relações sexuais antes
do casamento – variável conforme os costumes e os valores
locais – ainda assim exige-se da moça:
Este texto fala das especificidades da fase adolescente/juvenil para a construção
social da identidade, no que tange às questões de gênero. Que fatores você acha que
podem estar em jogo nessa fase? Procure antecipá-los antes de começar a leitura.
MÓDULO 2 - GÊNERO | unidade 1 | TEXTO 4
Construção social da identidade adolescente/
juvenil e suas marcas de gênero

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• Que se guarde o máximo possível, retardando a iniciação sexual;
• Que seu leque de experimentação sexual seja reduzido, não chegue próximo ao dos
homens, para não serem chamadas de “galinhas”;
• Que não seja “atirada”, embora a mídia ressalte a sensualidade dos corpos femininos;
• Que tenha o casamento e a maternidade como horizonte próximo.
Por outro lado, do rapaz exige-se:
• Que antecipe o máximo possível a primeira experiência sexual;
• O prazer de reunir múltiplas experiências sexuais, às vezes simultâneas;
• Um apetite sexual intenso como prova de sua virilidade, estimulada desde pequeno por
homens próximos a ele quando apontam o corpo de mulheres na TV ou nas ruas;
• Certo desprezo pelo cultivo dos sentimentos amorosos.
Esses modelos de comportamento sexual e social podem se
tornar verdadeiras prisões ou fontes de agudo sofrimento
quando os rapazes e as moças não se encaixam nos
estereótipos de gênero previamente designados. Qualquer
inadaptação ou desvio de conduta corre o risco de ser
duramente criticada/o ou discriminada/o socialmente: elas
podem se tornar “putas” e “galinhas” (em razão de uma
vida sexual ativa), ou “sapatões”, “machonas” ou “freiras”
(como categoria de acusação em alusão à castidade para
as que se recusam a aderir à prática sexual por imposição
do parceiro); e eles, “bichas”, “veados”, “mulherzinha”,
“maricas”. Em suma, há modelos de gênero rigidamente
estabelecidos que inspiram representações e práticas sociais
para jovens de cada sexo.
Além da vivência da sexualidade, há outro domínio em que se
percebe a incisiva influência do gênero na construção social
da identidade juvenil: o ingresso no mercado de trabalho ou a
escolha da carreira profissional. Tanto para aqueles/as jovens
que se vêem forçados/as a entrar precocemente no mercado
de trabalho em razão da precariedade socioeconômica de
suas famílias, quanto para os/as que podem permanecer na escola por mais tempo, na
edificação de uma carreira profissional, a oferta de postos de trabalho e de profissões leva
em conta aptidões tidas como “naturais” aos homens e às mulheres.
Retomamos aqui o tema da divisão sexual do trabalho. Esta temática, muito estudada pela
sociologia do trabalho, é anterior à ampla difusão do termo gênero, mas o sentido de suas
análises converge para o mesmo ponto: as escolhas e as oportunidades profissionais não
são ditadas por determinações “naturais” ou biológicas. Entre jovens de pouca escolaridade,
Dica de filme: Julieta e Romeu
(Brasil, Ecos, 1995, 17 min) – De uma
maneira descontraída e divertida,
as fantasias, as dúvidas, os erros
e os acertos da iniciação sexual na
adolescência são mostrados através
do namoro de Julieta e Romeu.

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cabe aos rapazes serem entregadores, office-boys, motoboys, operários da construção
civil ou da indústria, trabalhadores no transporte de cargas, motoristas, trabalhadores
rurais, vendedores ambulantes, seguir carreira policial ou militar. Em geral, as moças
nas mesmas condições, orientam-se para ser secretárias, copeiras, auxiliares de serviços
gerais, ajudantes de cozinha, recepcionistas, empregadas domésticas, babás, faxineiras,
comerciárias, operadoras de caixa ou de telemarketing. Mesmo entre jovens que conseguem
cursar a universidade, é freqüente haver uma adesão maciça
das mulheres às carreiras existentes nas ciências sociais
(enfermagem, terapia ocupacional, fonoaudiologia, nutrição)
ou humanas (psicologia, educação, letras, serviço social,
história, artes etc.). Essas profissões são tradicionalmente
voltadas para o ensino e o cuidado do outro, atributos tidos
como femininos.
Já se nota atualmente uma forte presença das mulheres
em cursos como direito, medicina, odontologia, arquitetura,
comunicação, tradicionalmente redutos de prestígio
masculino. Ainda assim, as escolhas dos homens continuam
a ser orientadas para as ciências básicas (física, química,
biologia), para as engenharias, a economia, as informáticas,
a administração de empresas, o mercado externo (comércio
exterior, relações internacionais), dentre outras áreas tidas pelo senso comum como as
mais propensas aos homens. Mesmo em contextos de reconhecida presença de ambos os
sexos, por exemplo, uma agência bancária, observe como estão distribuídos os funcionários
homens e mulheres nas diferentes seções da agência, desde a segurança e o serviço de
café até a presidência do banco.
As escolhas feitas na adolescência serão, portanto, decisivas para a construção da trajetória
biográfica de rapazes e moças, ou seja, cada profissão lhes reservará um aprendizado
específico das regras de gênero, pois a convivência com seus pares no campo profissional
sofrerá a interferência da lógica de gênero, desde a distribuição entre postos e turnos de
trabalho até as formas de ascensão e remuneração.
A construção da identidade juvenil também se faz por meio do aprendizado entre pares, nas
diferentes formas de sociabilidade e lazer desfrutadas por jovens. Entre jogos, brincadeiras,
galeras, músicas, ritmos e danças, festas (rodeios, quermesses), práticas esportivas,
tecnologias de informação (celulares, internet, comunidades virtuais), idas a shopping
centers, adesão a determinado tipo de lazer (pesca, artesanato, bordados), enfatizam-se
imagens, perfis, destrezas típicas de cada gênero.
A indumentária também é importante para a construção da identidade de gênero. O modo
como cada jovem – homem ou mulher – se apresenta em bailes, festas, espetáculos
musicais, rodeios informa não só sobre seu pertencimento social, mas também de gênero e

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4

raça. Em determinados contextos é comum o uso de bonés
e trajes largos para os rapazes, roupas mais aderentes para
as moças, comumente de salto alto, distinguindo estilos
diferenciados para cada gênero. A pressão que o grupo
de pares exerce sobre seus participantes é tamanha na
repetição destes estilos que se torna difícil arriscar novos
modelos, inovar em práticas sociais que não estejam
consagradas pelo grupo.
A sociologia tem estudado as denominadas “tribos urbanas”
enquanto rede de amizades adolescente e juvenil que
compartilham modo de se vestir, linguagem, músicas e outros
gostos. Seja para impressionar colegas do mesmo gênero
ou do gênero oposto, a aceitação dos valores de gênero
difundidos nas mais variadas situações de sociabilidade
juvenil exerce considerável influência na conformação da
identidade juvenil de homens e mulheres.
A “Emo” (abreviação do inglês
emotional) é uma destas tribos,
que se originou do estilo musical
derivado do punk; chegou ao Brasil,
na cidade de São Paulo, por volta
de 2003 e vem ganhando adeptos
em outros estados. Os chamados
“emos” têm geralmente entre 12 e
20 anos, usam munhequeira, franja
caída no rosto, piercing na boca,
colar de bolinhas ou dadinhos,
gravatinha, tênis Adidas, roupas
pretas, mistura de delicados lacinhos
no cabelo com as ousadas meias
“arrastão”. É possível que você já
tenha visto ou conheça algum/a
adolescente ou jovem que se veste
assim. Eles se autodefinem como
carinhosos, sensíveis, pessoas calmas
que não gostam de briga e querem
apenas amar e serem amados. Em
comunidades de relacionamento pela
internet, encontram-se depoimentos
dos/as “emos” falando sobre os
preconceitos sofridos em razão do
estilo de roupas que adotam e dos
sentimentos que defendem. Se você
quiser saber mais sobre “Emo”, veja
um vídeo em www.youtube.com/

watch?v=tYNC6zF49OI (5 min.).

Gênero e outras formas de classificação social

CURSO GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA
1
Formação de Professor as/es em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais
Ministério
da Educação
Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres
Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial
O olhar que lançamos às diferenças existentes entre nós,
sejam elas de pertencimento à determinada classe social,
gênero, raça, etnia ou orientação sexual, é cultural e
socialmente estabelecido. A defesa dos direitos humanos
supõe uma postura política e ética na qual todos/as têm
igualmente o direito de ser respeitados/as e tratados/
as com dignidade, sejam homens, mulheres, negros/as,
brancos/as, indígenas, homossexuais, heterossexuais,
bissexuais , t ravestis ,
transexuais. Tais diferenças
não podem ser atribuídas
à natureza, à biologia,
mas sim ao processo de
socialização que nos ensina a
nos comportarmos segundo
determinado padrão que, no
caso de nossa discussão, é
de gênero.
Todas essas formas de classificação interagem simultaneamente
no mundo social, fazendo com que certos entrecruzamentos
sejam objeto de um tratamento menos igualitário, mais desigual do que outros. Assim,
se um determinado indivíduo é homem, negro e de classe popular, receberá um tipo de
avaliação distinto (possivelmente desvantajoso) em relação ao de uma mulher branca e
de classe social alta. Este exemplo assinala que a relativa “desvantagem” do gênero em
uma sociedade machista pode ser neutralizada pela classificação de raça/etnia e/ou pelo
pertencimento a uma classe social considerada superior.
Você acha que ser mulher branca, negra ou indígena faz diferença? E ser mulher
pobre ou rica? Ter ou não escolarização? Viver no campo ou na cidade? Ser mulher
heterossexual, lésbica ou ser travesti é diferente? Este texto discute as relações
existentes entre o gênero masculino e feminino, como forma de classificação
social.
MÓDULO 2 - GÊNERO | unidade 1 | TEXTO 2
Gênero e outras formas de
classificação social
O olhar que lançamos
às diferenças existentes
entre nós, sejam elas
de pertencimento à
determinada classe
social, gênero, raça, etnia
ou orientação sexual, é
cultural e socialmente
estabelecido.
Escultura A Justiça, de Alfredo Ceschiatti,
em Brasília
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2
Formação de Professor as/es em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais
Ministério
da Educação
Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres
Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial
Como, então, aprendemos a conformar nosso olhar e terminamos por tratar homens e
mulheres de modo distinto? Às vezes, com nossos pequenos gestos ou atitudes cotidianas,
sem perceber, reforçamos desigualdades e a hierarquia de gênero, para não falar em
preconceitos e estereótipos.
A antropologia, disciplina que estuda a diversidade cultural das sociedades, sustenta que
a dimensão biológica da espécie humana é transformada pela necessidade de capacitação
cultural, essencial à sua sobrevivência. É a cultura que humaniza a espécie. Pode se
perceber que os homens são muito diferentes de outros homens em outros lugares. Também
as mulheres diferem bastante de outras mulheres em diferentes partes do mundo. E o
mesmo acontece com as relações entre os gêneros, que variam nas muitas sociedades do
planeta.
O papel que a biologia desempenha na determinação
de comportamentos sociais é fraco – a espécie humana
é essencialmente dependente da socialização. Contudo,
de acordo com o senso comum, as condutas de homens
e mulheres originam-se de uma dimensão natural (os
instintos) inscrita nos corpos com que cada indivíduo
nasce. Acredita-se, com freqüência, que existe um tipo de
personalidade ou padrão de comportamento para cada um
dos sexos. Na cultura ocidental, supõe-se que o masculino
seja dotado de maior agressividade e o feminino, de maior
suavidade e delicadeza.
Na década de 1930, a antropóloga americana Margaret
Mead (1901-1978) estudou esta questão em outras culturas
e descobriu que não existe uma relação direta entre o sexo
do corpo e a conduta social de homens e mulheres. Mead
revolucionou sua área de pesquisa ao torná-la popular e ao
alcance dos leigos. Seu objetivo era dar às pessoas comuns
uma ferramenta para entenderem seu lugar no mundo. Ela
demonstrou que os papéis sexuais eram determinados pelas
expectativas sociais e provou a importância das relações
raciais para a conservação da espécie. Acreditava que o
objetivo da antropologia era melhorar a raça humana e,
para isso, defendia que o mundo moderno tinha muito a
aprender com outras civilizações. Em inúmeros livros e
artigos, escreveu sobre os direitos da mulher e contra o
racismo e o preconceito sexual.
O modelo de educação de uma pessoa, aquilo que ela
aprendeu sobre o que é certo e errado na esfera sexual,
Na obra Sexo e temperamento,
Mead traz os resultados da pesquisa
realizada em Nova Guiné sobre o que
então se chamava de papéis sexuais,
e que hoje em dia chamamos de
gênero. Da comparação entre três
culturas (Arapesh, Mundugomor
e Tchambuli) que compartilhavam
uma organização social semelhante,
Mead destaca que nas duas primeiras
a cultura não estabelece um padrão
sentimental distinto para homens
e mulheres; existe um tipo de
personalidade ou temperamento
socialmente aprovado para todos os
integrantes da sociedade. Segundo
os nossos critérios de avaliação,
a cultura Arapesh poderia ser
caracterizada como “maternal”,
tendo a docilidade como o traço de
personalidade valorizado. Já entre
os Mundugomor, o comportamento
agressivo era incentivado para
homens e mulheres. Na terceira
sociedade analisada, os Tchambuli,
as personalidades de homens e
mulheres opõem-se e complementamse,
contudo, estão invertidas em
relação ao padrão ocidental. Os
homens são mais gentis e delicados
do que as mulheres, fortes e bravas
(Margaret Mead, Editora Perspectiva,
São Paulo, 1988).
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influenciará sua sexualidade, seus sentimentos e atração por outras pessoas, sua orientação
sexual. Assim, algo considerado adequado num meio social é passível de ser inadequado em
outro. Gestos, modos de se vestir, de sentir ou falar podem ser considerados femininos em
alguns lugares, masculinos ou mesmo indiferentes em outros. Esta variação corresponde
à cultura.
Sexualidade e gênero são dimensões diferentes que integram a identidade pessoal de cada
indivíduo. Ambos surgem, são afetados e se transformam conforme os valores sociais
vigentes em uma dada época. São partes, assim, da cultura, construídas em determinado
período histórico, ajudando a organizar a vida individual e coletiva das pessoas. Em
síntese, é a cultura que constrói o gênero, simbolizando as atividades como masculinas e
femininas.
Por fim, importa reter duas características fundamentais implícitas na noção de gênero:
• sua arbitrariedade cultural, ou seja, o fato de o gênero só poder ser compreendido em
relação a uma cultura específica, pois Ele só é capaz de ter sentidos distintos conforme
o contexto sociocultural em que se manifesta;
• o caráter necessariamente relacional das categorias de gênero, isto é, só é possível
pensar e/ou conceber o feminino em relação ao masculino e vice-versa.
Glossário
Bissexual: Pessoa que tem desejos, práticas sexuais e relacionamento afetivo-sexual com pessoas de ambos os
sexos.
Cultura: Fenômeno unicamente humano, a cultura refere-se à capacidade que os seres humanos têm de dar
significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. A cultura é compartilhada pelos indivíduos de um determinado
grupo, não se relacionando a um fenômeno individual. Por outro lado, cada grupo de seres humanos, em diferentes
épocas e lugares, atribui significados diferentes a coisas e a passagens da vida aparentemente semelhantes.
Direitos Humanos: Constituem o marco de reconhecimento dos direitos e liberdades básicas inerentes à pessoa
humana, sem qualquer espécie de discriminação. São os direitos que consagram o respeito à dignidade humana,
que visam resguardar a integridade física e psicológica das pessoas perante seus semelhantes e perante
o Estado em geral. Exemplos desses direitos e liberdades reconhecidos com direitos humanos incluem os
direitos civis e políticos, o direito à vida e à liberdade, liberdade de expressão e igualdade perante a lei, direitos
sociais, culturais e econômicos, o direito à saúde, ao trabalho e à educação.
Em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, foi proclamada a Declaração Universal de Direitos Humanos, com a qual
se inicia a fase de afirmação universal e positiva dos direitos humanos, materializada na busca por instrumentos
internacionais (pactos, declarações e tratados) de defesa desses direitos. Alguns exemplos especialmente relevantes para o
estabelecimento dos direitos relativos ao livre exercício da sexualidade são: o Pacto Internacional de Direitos Civis
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e Políticos e o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ambos de 1966), a Declaração sobre a Eliminação de
Discriminação contra a Mulher (1967) e a Convenção subseqüente (1979), A Declaração Universal dos Direitos
da Criança (1959) e Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).
Declaração Universal de Direitos Humanos: http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm
Heterossexualidade: Atração sexual por pessoas de outro gênero e relacionamento afetivo-sexual com elas.
Hierarquia de gênero: Pirâmide social econômica construída pelas relações assimétricas de gênero.
Homossexualidade: Atração sexual por pessoas do mesmo gênero e relacionamento afetivo-sexual com elas.
Transexual: Pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. Homens
e mulheres transexuais podem manifestar o desejo de se submeterem a intervenções médico-cirúrgicas para
realizarem a adequação dos seus atributos físicos de nascença (inclusive genitais) à sua identidade de gênero
constituída.
Travesti: Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu
sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade. Muitas travestis modificam
seus corpos através de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém vale ressaltar que

isso não é regra para todas (Definição adotada pela Conferência Nacional LGBT em 2008).

Conceito de gênero

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Apropriação cultural da diferença sexual
Os diferentes sistemas de gênero – masculino e feminino – e de formas de operar nas
relações sociais de poder entre homens e mulheres são decorrência da cultura, e não de
diferenças naturais instaladas nos corpos de homens e mulheres. Não faltam exemplos
demonstrativos de que a hierarquia de gênero, em diferentes contextos sociais, é em favor
do masculino. De onde vêm as afirmações de que as mulheres são mais sensíveis e menos
capazes para o comando? A idéia de "inferioridade" feminina foi e é socialmente construída
pelos próprios homens e pelas mulheres ao longo da história.
Para as ciências sociais e humanas, o conceito de gênero
se refere à construção social do sexo anatômico. Ele
foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimensão
social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas
na espécie humana, no entanto, a maneira de ser homem e
de ser mulher é realizada pela cultura. Assim, gênero significa
que homens e mulheres são produtos da realidade social e
não decorrência da anatomia de seus corpos. Por exemplo,
o fato de as mulheres, em razão da reprodução, serem
tidas como mais próximas da natureza, tem sido apropriado
por diferentes culturas como símbolo de sua fragilidade ou
de sujeição à ordem natural, que as destinaria sempre à
maternidade.
É comum encontrar em reportagens que comparam a posição de homens e mulheres no
mercado de trabalho as desigualdades existentes:
• Grande parte dos postos de direção ocupados por homens (como no próprio sistema
escolar).
• Significativas diferenças salariais entre homens e mulheres.
Estudar o conceito de gênero oferece um olhar mais atento para determinados
processos que consolidam diferenças de valor entre o masculino e o feminino e
que geram desigualdades. Será que, como pai/mãe e educador/a, você consegue
identificar as diferenças na educação de meninos e de meninas? Tenha em mente
essas questões ao ler este texto.
MÓDULO 2 - GÊNERO | un idade 1 | TEXTO 1
Conceito de gênero
Para as ciências sociais
e humanas, o conceito
de gênero se refere à
construção social do
sexo anatômico. (...)
gênero significa que
homens e mulheres são
produtos da realidade
social e não decorrência
da anatomia de seus
corpos.
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Maior concentração de homens • em áreas como
engenharia, informática, enquanto as mulheres se
concentram em atividades de ensino e cuidado.
À primeira vista, pode parecer que as escolhas ou os
modos de inserção no mundo do trabalho sejam reflexo
de preferências naturais, aptidões natas, capacidades
e desempenhos distintos entre homens e mulheres. No
entanto, se observarmos com atenção, veremos que a
distribuição de homens e mulheres no mercado de trabalho
e as desigualdades decorrentes podem ser socialmente
compreendidas e atribuídas às assimetrias de gênero.
O modo como homens e mulheres se comportam em sociedade
corresponde a um intenso aprendizado sociocultural que nos
ensina a agir conforme as prescrições de cada gênero. Há
uma expectativa social em relação à maneira como homens
e mulheres devem andar, falar, sentar, mostrar seu corpo,
brincar, dançar, namorar, cuidar do outro, amar etc. Conforme
o gênero, também há modos específicos de trabalhar,
gerenciar outras pessoas, ensinar, dirigir o carro, gastar o
dinheiro, ingerir bebidas, dentre outras atividades.
To d o s n ó s , e m a l g u m
momento da vida, já nos
inquietamos para tentar
compreender o porquê
de tantas desigualdades
entre homens e mulheres,
expressas nas mais diversas situações. É comum atribuílas
a características que estariam no corpo ou na mente de
cada um. Essa busca por causas biológicas ou psíquicas para
explicar as diferenças entre homens e mulheres, masculino
e feminino, tem sido recorrente nas ciências biológicas. É
freqüente encontrar nos jornais e nas revistas explicações
científicas baseadas no funcionamento do cérebro ou dos
hormônios, que seria distinto em cada sexo. Tais explicações
encobrem o longo processo de socialização que nos tornou
humanos/as e encobrem, também, o processo de socialização
que divide os indivíduos em gêneros distintos.
No senso comum, as diferenças de gênero são interpretadas
como se fossem naturais, determinadas pelos corpos. Ao
Vejamos o que dizem os PCN,
formulados pelo MEC para o 3º e
4º ciclos do Ensino Fundamental no
tópico que discute essa temática: “O
conceito de gênero diz respeito ao
conjunto das representações sociais
e culturais construídas a partir
da diferença biológica dos sexos.
Enquanto o sexo diz respeito ao
atributo anatômico, no conceito de
gênero toma-se o desenvolvimento
das noções de ‘masculino’ e ‘feminino’
como construção social. O uso
desse conceito permite abandonar
a explicação da natureza como a
responsável pela grande diferença
existente entre os comportamentos
e os lugares ocupados por homens e
mulheres na sociedade. Essa diferença
historicamente tem privilegiado
os homens, na medida em que a
sociedade não tem oferecido as
mesmas oportunidades de inserção
social e exercício de cidadania a
homens e mulheres. Mesmo com a
grande transformação dos costumes
e dos valores que vêm ocorrendo nas
últimas décadas, ainda persistem
muitas discriminações, por vezes
encobertas, relacionadas ao gênero”
(p.321-322).
No senso comum, as
diferenças de gênero
são interpretadas como
se fossem naturais,
determinadas pelos
corpos. Ao contrário,
as ciências sociais
postulam que essas
diferenças são
socialmente construídas.
(...) Não há um padrão
universal para
comportamentos sexual
ou de gênero que seja
considerado normal,
certo, superior ou, a
priori, o melhor.
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contrário, as ciências sociais postulam que essas diferenças são socialmente construídas. Isto
significa dizer que não há um padrão universal para comportamentos sexual ou de gênero
que seja considerado normal, certo, superior ou, a priori, o melhor. Somos nós, homens e
mulheres, pertencentes a distintas sociedades, a diversos tempos históricos e a contextos
culturais que estabelecemos modos específicos de classificação e de convivência social.
Assim, o conceito de gênero pode nos ajudar a ter um olhar mais atento para determinados
processos que consolidam diferenças de valor entre o masculino e o feminino, gerando
desigualdades.
Um pouco de história
As questões de gênero refletem o modo como diferentes povos, em diversos períodos
históricos, classificam as atividades de trabalho na esfera pública e privada, os atributos
pessoais e os encargos destinados a homens e a mulheres no campo da religião, da política,
do lazer, da educação, dos cuidados com saúde, da sexualidade etc.
O conceito de gênero, hoje em dia corrente nas páginas de jornal e nos textos que orientam
as políticas públicas, nasceu de um diálogo entre o movimento feminista e suas teóricas e
as pesquisadoras de diversas disciplinas – história, sociologia, antropologia, ciência política,
demografia, entre outras.
Uma figura emblemática desse movimento de idéias é a
filósofa Simone de Beauvoir, que em 1949 escreveu o livro
O Segundo Sexo. Ele daria um novo impulso à reflexão sobre
as desigualdades entre homens e mulheres nas sociedades
modernas acerca do porquê do feminino e das mulheres
serem concebidos dentro de um sistema de relações de
poder que tendia a inferiorizá-los. É dela a famosa frase “não
se nasce mulher, torna-se mulher”. Com esta formulação,
ela buscava descartar qualquer determinação “natural” da
conduta feminina.
O movimento feminista não começou com esta escritora;
houve em diversos momentos históricos anteriores
iniciativas políticas de mulheres buscando alterar uma
posição subalterna na sociedade, a ponto de alguns
estudiosos considerarem a existência de múltiplos
movimentos feministas. Um desses exemplos são as chamadas sufragistas, que lutavam
no início do século passado para que as mulheres tivessem o mesmo direito de votar que
era concedido aos homens.
Simone de Beauvoir (Paris, 9 de
janeiro de 1908 – Paris, 14 de abril
de 1986) foi escritora, filósofa
existencialista e feminista francesa.
Ela escrevia romances e monografias
sobre filosofia, política, sociedade,
além de ensaios e biografias;
escreveu sua autobiografia. Entre
seus ensaios críticos, cabe destacar O
Segundo Sexo (1949), uma profunda
análise sobre o papel das mulheres
na sociedade; A velhice (1970), sobre
o processo de envelhecimento, no
qual teceu críticas apaixonadas
sobre a atitude da sociedade para
com os anciãos.
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A luta pelo sufrágio feminino. Veja como a conquista do direito ao voto para as mulheres
variou muito entre as diferentes sociedades:
Ano de Conquista do Voto Feminino País
1917 URSS, com a Revolução.
1918 Alemanha
1919 EUA
1928 Inglaterra
1932 Brasil
1945 França, Itália, Japão
1973 Suíça
A crítica e a luta pela mudança dessa situação caracterizaram o movimento social das
mulheres, que apresenta diferentes vertentes, assim como o próprio conceito de gênero,
em evolução através de variadas abordagens, cada vez mais
sofisticadas.
O conceito de gênero, como vimos, foi elaborado para
evidenciar que o sexo anatômico não é o elemento definidor
das condutas da espécie humana. As culturas criam padrões
que estão associados a corpos que se distinguem por seu
aparato genital e que, através do contato sexual, podem gerar outros seres: isto é a reprodução
humana. Observe como se entrelaçam o sexo, a sexualidade – aqui a heterossexual – e o
gênero. Estas dimensões se cruzam, mas uma dimensão não decorre da outra! Ter um corpo
feminino não significa que a mulher deseje realizar-se como mãe. Corpos designados como
masculinos podem expressar gestos tidos como femininos em
determinado contexto social, e podem também ter contatos
sexuais com outros corpos sinalizando uma sexualidade que
contraria a expectativa dominante de que o “normal” é o
encontro sexual entre homem e mulher.
Desde 1964, o psiquiatra norte-americano Robert Stoller vem
desenvolvendo estudos sobre masculinidade, feminilidade
e a questão da identidade de gênero, criando um ponto de
partida para o estudo mais sistemático do travestismo. Este
é um dos fenômenos da não-conformidade com as exigências
sociais de “coerência” entre o sexo anatômico, a indumentária
e o gestual supostamente referente ao sexo oposto. As travestis – pessoas cujo gênero e
identidade social são opostos ao do seu sexo biológico e que vivem cotidianamente como
pessoas do seu gênero de escolha – elaboram identidades que não devem ser entendidas
como “cópias de mulheres”, mas como uma forma alternativa de identidades de gênero.
Entre as muitas autoras importantes para o desenvolvimento do conceito de gênero, destaca-
Corpos designados
como masculinos podem
expressar gestos tidos
como femininos (...)
As travestis (...)
elaboram identidades
que não devem ser
entendidas como “cópias
de mulheres”, mas como
uma forma alternativa
de identidades de
gênero.
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se a antropóloga norte-americana Gayle Rubin, que em 1975
defendeu a idéia da existência de um sistema sexo-gênero em
todas as sociedades. Outra contribuição importante e muito
conhecida no Brasil é o texto Gênero: uma categoria útil de
análise histórica, de Joan Scott. Esta publicação contribuiu
para que pesquisadores da área de ciências humanas
reconhecessem a importância das relações sociais que se
estabelecem com base nas diferenças percebidas entre homens
e mulheres. Há também uma significativa produção científica
realizada por pesquisadoras francesas, dentre as quais se
destacam Christine Delphy e Danièle Kergoat, que elaboraram
o tema “divisão sexual do trabalho doméstico”. A primeira
desenvolveu a teoria de que, em decorrência das relações de
gênero que naturalizam as atividades de cuidado, os homens
e os maridos exploram suas esposas e companheiras ao se
beneficiarem do trabalho doméstico gratuito. De fato, não
são apenas os homens próximos, mas a sociedade como um
todo que não reconhece ser o trabalho doméstico gerador
de riqueza, uma vez que a garantia de atendimento das
necessidades de alimentação, repouso e conforto possibilitam
a dedicação ao trabalho externo e à produção.
Glossário
Assimetrias de gênero: Desigualdades de oportunidades, condições e
direitos entre homens e mulheres, gerando uma hierarquia de gênero.
Gênero: Conceito formulado nos anos 1970 com profunda influência do pensamento feminista. Ele foi criado para
distinguir a dimensão biológica da dimensão social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie
humana, no entanto, a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Assim, gênero significa
que homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos.
Identidade de Gênero: Diz respeito à percepção subjetiva de ser masculino ou feminino, conforme os atributos,
os comportamentos e os papéis convencionalmente estabelecidos para homens e mulheres.
Movimento Feminista: Movimento social e político de defesa de direitos iguais para mulheres e homens, tanto
no âmbito da legislação (plano normativo e jurídico), quanto no plano da formulação de políticas públicas que
ofereçam serviços e programas sociais de apoio a mulheres.
Travesti: Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu
sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade. Muitas travestis modificam
seus corpos através de hormonioterapias, aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém vale ressaltar que
isso não é regra para todas (Definição adotada pela Conferência Nacional LGBT em 2008).
Para uma história da análise sobre a
divisão sexual do trabalho doméstico,
veja os artigos:
“Novas configurações da Divisão
Sexual do Trabalho”, de Helena
Hirata e Danièle Kergoat. Cadernos
de Pesquisa da Fundação Carlos
Chagas, vol. 37, nº 132, págs. 595-609,
set.-dez. 2007.
“Trabalho Doméstico: inatividade
econômica ou trabalho nãoremunerado”,
de Cristina Bruschini.
In: Clara Araújo, Felícia Picanço e Celi
Scalon. Novas conciliações e antigas
tensões? Gênero, família e trabalho
em perspectiva comparada. São
Paulo: Edusc, 2008.
Consulte ainda no web site do CLAM
a entrevista do sociólogo sueco
Göran Therborn – “Relações de poder
entre os sexos”. http://www.clam.org.
br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.

htm?infoid=3672&sid=7

sábado, 18 de outubro de 2014

O aprendizado de gênero: socialização na família e na escola

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1

Desde que nascemos somos educados/as para conviver em sociedade, porém de maneira
distinta, caso sejamos menino ou menina. Esta distinção influencia, por exemplo, a decoração
do quarto da criança, a cor das roupas e dos objetos pessoais, a escolha dos brinquedos e
das atividades de lazer. Assim que mãe, pai e familiares recebem o resultado do ultrassom,
passa-se a “desenhar” o lugar da criança. Se menina, roupas e decorações cor-de-rosa.
Se menino, tudo azul. Num passado não muito distante, quando não havia o recurso de
informação prévia do sexo biológico da criança, a maior parte
do enxoval era verde água ou amarelo.
À medida que crescemos, por meio dos brinquedos, jogos e
brincadeiras, dos acessórios e das relações estabelecidas com
os grupos de pares e com as pessoas adultas, vamos também
aprendendo a distinguir atitudes e gestos tipicamente
masculinos ou femininos e a fazer escolhas a partir de tal
distinção, ou seja, o modo de pensar e de agir, considerados como correspondentes a cada
gênero, nos é inculcado desde a infância.
Na família, assim como na escola, é fundamental que as pessoas adultas, ao lidarem com
crianças, percebam que podem reforçar ou atenuar as diferenças de gênero e suas marcas,
contribuindo para estimular traços, gostos e aptidões não restritos aos atributos de um
ou outro gênero. Por exemplo, deve ser estimulado nos meninos que sejam carinhosos,
cuidadosos, gentis, sensíveis e expressem medo e dor. Quem disse que “homem não chora”?
As meninas, por sua vez, podem ser incentivadas a praticar esportes, a gostar de carros e
motos, a serem fortes (no sentido de terem garra, gana), destemidas, aguerridas.
Tal aprendizado das regras culturais nos constrói como pessoas, como homens ou mulheres.
Se quisermos contribuir para um mundo justo em que haja eqüidade de gênero, devemos
estar atentos para não educarmos meninos e meninas de maneiras radicalmente distintas.
Através deste texto é possível compreender que a família e a escola têm um papel
fundamental na luta contra o aumento de preconceito e discriminação direcionados
às mulheres e a todos aqueles que não correspondem a um ideal de masculinidade
dominante. Como você imagina que se possa trabalhar nesta direção em casa e na
escola?
MÓDULO 2 - GÊNERO | un idade 1 | TEXTO 3
O aprendizado de gênero: socialização
na família e na escola
Assim que mãe, pai e
familiares recebem o
resultado do ultrassom,
passa-se a “desenhar” o
lugar da criança.
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2

Devemos prestar atenção no quanto a socialização de
gênero é insidiosa. Oferecer aos meninos e aos rapazes
apenas espadas, armas, roupas de luta, adereços de guerra,
carros, jogos eletrônicos
que incitem à violência é
facultar como único caminho
para a sua socialização a
agressividade, o uso do
corpo como instrumento de
luta, a supervalorização do
gosto pela velocidade e pela
superação de limites. Ou
ainda, de modo mais sutil,
oferecer apenas aos meninos
bola, bicicleta e skate, por
exemplo, indica-lhes que o
espaço público é deles, ao
passo que dar às meninas
somente miniaturas de utensílios domésticos (ferro de
passar roupa, cozinha com panelinhas, bonecas, batedeira
de bolo, máquina de lavar roupa etc.) é determinar-lhes o
espaço privado, o espaço doméstico.
Queremos dizer que nos jogos com bonecas, fogõezinhos,
panelinhas e ferrinhos de passar as garotas, da infância
à adolescência, vão se familiarizando com o trabalho
doméstico, como se não houvesse alternativa às mulheres
que não o interesse com o cuidado do lar e de filhos/as.
Dicas de filme:
Billy Elliot (Inglaterra, 2000) – um
filme sobre um menino que enfrenta
muitas dificuldades por ter o balé
como sonho de vida.
Cartão vermelho (Brasil, 1994, 14
min) – Fernanda gosta de jogar
futebol com os meninos e joga bem.
Mas para essa “moleca” de 12 anos o
apogeu de sua intimidade com a bola
é fazê-la voar reta, direta, até o saco
dos meninos. Para assistir esse curtametragem,
acesse o site Porta Curtas
Petrobras http://www.portacurtas.
com.br/index.asp e clique no botão
“Assista”, à esquerda. Aproveite para
conhecer o acervo livre de curtas e
documentários disponíveis no site!
Acorda Raimundo... Acorda!
(Brasil, de Alfredo Alves, Ibase,
1990, 15 min) – E se as mulheres
saíssem para o trabalho enquanto
os homens cuidam dos afazeres
domésticos? Esta é a história de
Marta e Raimundo, uma família
operária, seus conflitos, a violência
familiar e o machismo vividos em
um mundo onde tudo acontece ao
contrário.
(...) oferecer apenas aos
meninos bola, bicicleta
e skate, por exemplo,
indica-lhes que o espaço
público é deles, ao passo
que dar às meninas
somente miniaturas de
utensílios domésticos
(...) é determinar-lhes o
espaço privado, o espaço
doméstico.
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3

Observe na tabela1 que o número de horas empregadas
pelas mulheres no cuidado da casa é três vezes superior
ao tempo que os homens dedicam às atividades do lar.
E isto acontece entre pessoas com diferentes níveis de
escolarização e pertencentes a diversas classes sociais.
Para um grande número de mulheres, o fato corresponde
à segunda jornada de trabalho, jornada esta raramente
valorizada, uma vez que o trabalho doméstico é em geral
invisível, só notado em caso de ausência, quando as
atividades não são realizadas.
Os modelos de homem e de mulher que as crianças têm à
sua volta, na família e na escola, apresentados por pessoas
adultas, influenciarão a construção de suas referências
de gênero. Quando a menina e o menino entram para a
escola, já foram ensinados pela família e por outros grupos
da sociedade quais são os "brinquedos de menino" e quais
são os "brinquedos de menina". Embora não seja possível
intervir de forma imediata nessas aprendizagens no contexto familiar e na comunidade, a
escola necessita ter consciência de que sua atuação não é neutra. Educadores e educadoras
precisam identificar o currículo oculto que contribui para a perpetuação de tais relações.
A escola tem a responsabilidade de não contribuir para o aumento da discriminação e
dos preconceitos contra as mulheres e contra todos aqueles que não correspondem a um
ideal de masculinidade dominante, como gays, travestis e lésbicas, por exemplo. Por isso,
educadores e educadoras são responsáveis e devem estar atentos a esse processo.
Glossário
Eqüidade de gênero: Igualdade de direitos, oportunidades e condições entre homens e mulheres.
1 Essa tabela ilustra o quanto o trabalho doméstico recai sobre as mulheres e foi extraída do texto: “Tempo, trabalho e afazeres
domésticos: um estudo com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 a 2005”, de Cristiane Soares e Ana
Lucia Saboia. In: ___ Textos para Discussão, Diretoria de Pesquisas, 21. Coordenação de População e Indicadores Sociais, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rio de Janeiro, 2007.
Dica de leitura
Educar meninas e meninos.
Relações de gênero na escola, de
Daniela Auad. São Paulo: Editora
Contexto, 2006.
Como se comportam meninos e
meninas nos recreios e nas salas
de aula? Menino pode fazer balé
e menina tocar bateria? Educar
meninos e meninas traz à tona
as relações de gênero na escola
e o desenrolar das diferenças
hierarquizadas entre os sexos. Além
disso, a autora, a partir de pesquisa
de doutorado, analisa a escola mista

e propõe a co-educação.